terça-feira, 2 de março de 2010

Vamos passear na poesia enquanto Dona Festa não vem

No Jacaré tem quem trabalha a alquimia. E quem sabe a Pedra Filosofal não está no carnaval!
Eis a pedra, de humilde aparência.
No que concerne ao valor, pouco vale -
Desprezam-na os tolos
E por isso mais a amam os que sabem.
Arnaud de Villeneuve - sec XII


No Jacaré tem a Leila que de Baudelaire vai a uma outra pedra de pérola:

Eu estava lendo esse poema lindo de Baudelaire agora, e fiquei contagiada pela mosca da poesia, então lembrei de uma música do Zé Miquel Wisnik que se chama "Pérolas aos Poucos",tem um pedacinho que diz:

Eu jogo pérolas aos poucos, ao mar,
Eu quero ver as ondas se quebrar, Eu jogo pérolas pra quem
Pra você, pra ninguém
Que vão cair na lama de onde vêm

Grãos de areia, o Sol se desfaz na concha escura,
Lua cheia,
O tempo se apura
Maré cheia
A doença traz a dor e a cura
E semeia
Grãos de resplendor
Na loucura.


Agora digo eu, jogue Jacaré, joque, pérolas na Vila.

Leila.

Jacaré tem João Guerreiro que, com Machado épico, pega a pérola da Leila e joga no mar da Alemanha em :

FALENAS

PRELÚDIO

...land of dreams.
... land of song.
LONGFELLOW



LEMBRA-TE a ingênua moça, imagem da poesia,

Que a André Roswein amou, e que implorava um dia,

Como infalível cura à sua mágoa estranha,

Uma simples jornada às terras da Alemanha?

o poeta é assim: tem, para a dor e o tédio,

Um refúgio tranqüilo, um suave remédio:

És tu, casta poesia, ó terra pura e santa!

Quando a alma padece, a lira exorta e canta;

E a musa que, sorrindo, os seus bálsamos verte,

Cada lágrima nossa em pérola converte.

Longe daquele asilo, o espírito se abate;

A existência parece um frívolo combate,

Um eterno ansiar por bens que o tempo leva,

Flor que resvala ao mar, luz que se esvai na treva,

Pelejas sem ardor, vitórias sem conquista!

Mas, quando o nosso olhar os páramos avista

Onde o peito respira o ar sereno e agreste,

Transforma-se o viver. Então, à voz celeste,

Acalma-se a tristeza; a dor se abranda e cala;

Canta a alma e suspira- o amor vem resgatá-la;

O amor, gota de luz do olhar de Deus caída,

Rosa branca do céu, perfume, alento, vida.

Palpita o coração já crente, já desperto;

Fala dentro de nós uma boca invisível;

Esquece-se o real e palpa-se o impossível.

A outra terra era má, o meu país é este;

Este o meu céu azul.


Se um dia padeceste

Aquela dor profunda, aquele ansiar sem termo

Que leva ao tédio e a morte ao coração enfermo;

Se queres mão que enxugue as lágrimas austeras,

Se te apraz ir viver de eternas primaveras,

Ó alma de poeta, ó alma de harmonia,

Volve às terras da musa, às terras da poesia!

Tens, para atravessar a azul imensidade,

Duas asas do céu: a esperança e a saudade.

Uma vem do passado, outra cai do futuro;

Com elas voa a alma e paira no éter puro,

Com elas vai curar a sua mágoa estranha.


A terra da poesia é a nossa Alemanha.

Jacaré canta com Machado de Assis o sentido sacana das Falenas
Ariadne Asleep on the Island of Naxos, obra de John Vanderlyn

3 comentários:

  1. Obrigado, Jacaré, fui à página das Falenas e bilaquiemos:

    Adamastor

    Via-Láctea XVIII

    Dormes... Mas que sussurro a umedecida
    Terra desperta? Que rumor enleva
    As estrelas, que no alto a Noite leva
    Presas, luzindo, à túnica estendida?

    São meus versos! Palpita a minha vida
    Neles, falenas que a saudade eleva
    De meu seio, e que vão, rompendo a treva,
    Encher teus sonhos, pomba adormecida!

    Dormes, com os seios nus, no travesseiro
    Solto o cabelo negro... e ei-los correndo,
    Doudejantes, subtis, teu corpo inteiro...

    Beijam-te a boca tépida e macia,
    Sobem, descem, teu hálito sorvendo...
    Por que surge tão cedo a luz do dia?!...

    Olavo Bilac, 1865-1918

    http://seletadesonetos.blogspot.com/2008/07/dormes-mas-que-sussurro-umedecida.html

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  2. Então vamos a todas elas:

    Mulher da Vida
    Cora Coralina

    Mulher da Vida, minha Irmã.

    De todos os tempos.
    De todos os povos.
    De todas as latitudes.
    Ela vem do fundo imemorial das idades e
    carrega a carga pesada dos mais
    torpes sinônimos,
    apelidos e apodos:
    Mulher da zona,
    Mulher da rua,
    Mulher perdida,
    Mulher à-toa.

    Mulher da Vida, minha irmã.

    Pisadas, espezinhadas, ameaçadas.
    Desprotegidas e exploradas.
    Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito.
    Necessárias fisiologicamente.
    Indestrutíveis.
    Sobreviventes.
    Possuídas e infamadas sempre por
    aqueles que um dia as lançaram na vida.
    Marcadas. Contaminadas,
    Escorchadas. Discriminadas.

    Nenhum direito lhes assiste.
    Nenhum estatuto ou norma as protege.
    Sobrevivem como erva cativa dos caminhos,
    pisadas, maltratadas e renascidas.

    Flor sombria, sementeira espinhal
    gerada nos viveiros da miséria, da
    pobreza e do abandono,
    enraizada em todos os quadrantes da Terra.

    Um dia, numa cidade longínqua, essa
    mulher corria perseguida pelos homens que
    a tinham maculado. Aflita, ouvindo o
    tropel dos perseguidores e o sibilo das pedras,
    ela encontrou-se com a Justiça.

    A Justiça estendeu sua destra poderosa e
    lançou o repto milenar:
    “Aquele que estiver sem pecado
    atire a primeira pedra”.

    As pedras caíram
    e os cobradores deram s costas.

    O Justo falou então a palavra de eqüidade:
    “Ninguém te condenou, mulher...
    nem eu te condeno”.

    A Justiça pesou a falta pelo peso
    do sacrifício e este excedeu àquela.
    Vilipendiada, esmagada.
    Possuída e enxovalhada,
    ela é a muralha que há milênios detém
    as urgências brutais do homem para que
    na sociedade possam coexistir a inocência,
    a castidade e a virtude.

    Na fragilidade de sua carne maculada
    esbarra a exigência impiedosa do macho.

    Sem cobertura de leis
    e sem proteção legal,
    ela atravessa a vida ultrajada
    e imprescindível, pisoteada, explorada,
    nem a sociedade a dispensa
    nem lhe reconhece direitos
    nem lhe dá proteção.
    E quem já alcançou o ideal dessa mulher,
    que um homem a tome pela mão,
    a levante, e diga: minha companheira.

    Mulher da Vida, minha irmã.

    No fim dos tempos.
    No dia da Grande Justiça
    do Grande Juiz.
    Serás remida e lavada
    de toda condenação.

    E o juiz da Grande Justiça
    a vestirá de branco em
    novo batismo de purificação.
    Limpará as máculas de sua vida
    humilhada e sacrificada
    para que a Família Humana
    possa subsistir sempre,
    estrutura sólida e indestrurível
    da sociedade,
    de todos os povos,
    de todos os tempos.

    Mulher da Vida, minha irmã.

    João Guerreiro

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  3. "Quando as aves falam com as pedras, e as rãs com as águas, é de poesia que estão falando."
    Manuel de Barros

    Não sei se a pedra filosofal está no carnaval, certamente deve estar em algum lugar ou em algo simples e despretencioso, como a própria poesia desse extraordinário e louco Manuel de Barros.
    Ah! Lindos poemas e poesias postados!
    Leila Sales

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