segunda-feira, 5 de julho de 2010

Copa do mundo com Carlos Drummond e Jairo


Como Copa do Mundo é do mundo e o Jacaré está no mundo, então o assunto vale nesse recesso jacarense no aguardo do forró que há de ser em julho.

Terminada a Copa, nosso jacarense Jairo enviou um lindo texto de Drummond sobre a seleção de 1982 o qual me levou a esse comentário

"Naquele ano de 1982, a torcida apoiava o Jô Soares, que peguntava em seu chato programa:
-- cadê o ponta Telê ?

e foi das melhores seleções que o Brasil teve e, até hoje, não existe mais ponta. Será que Garrincha ficaria sem emprego em 2010 ?

Nelson Rodrigues em 1958, no seu personagem da semana após a
vitória final contra a Suécia, rasgou elogios ao Zagalo pois o formiguinha correu o campo todo mas Didi, o príncipe etíope, foi o escolhido. Vale registrar que, quando convocado por Feola,o povo não perdoou, principalmente os rubro negros que queriam Moacir como titular. Esse Didi tinha a famosa frase do "treino é treino, jogo é jogo" e também, aos que o chamavam de lento, dizia: quem corre é a bola, não eu.

Foram memórias das copas com vitórias e derrotas que me
intrigaram nessa triste sexta da Holanda nos depachando. Uma memória foi a da seleção de 1998 amarelando, até aí tudo normal. Mas ter visto torcedores entrarem imediatamente na dança após o fim da derrota com o sorriso e animação, minha memória não tinha em seus arquivos e pensei : esses não eram torcedores de nada, estavam ali somente para festa.

Na minha memória não estava mas Jairo foi buscar na do Drummond :

-- vi rapazes e moças festejando a derrota para não deixarem de
festejar qualquer coisa.

Ao trabalho pois como mandou o Mestre.

Cordiais saudações

Sergio Rosa"

A crônica do Drummond:

Perder, ganhar, viver

03/07/2006 - Carlos Drummond de Andrade, Jornal do Brasil, 21 de junho de 1982


Vi gente chorando na rua, quando o juiz apitou o final do jogo perdido; vi homens e mulheres pisando com ódio os plásticos verde-amarelos que até minutos antes eram sagrados; vi bêbados inconsoláveis que já não sabiam por que não achavam consolo na bebida; vi rapazes e moças festejando a derrota para não deixarem de festejar qualquer coisa, pois seus corações estavam programados para a alegria; vi o técnico incansável e teimoso da Seleção xingado de bandido e queimado vivo sob a aparência de um boneco, enquanto o jogador que errara muitas vezes ao chutar em gol era declarado o último dos traidores da pátria; vi a notícia do suicida do Ceará e dos mortos do coração por motivo do fracasso esportivo; vi a dor dissolvida em uísque escocês da classe média alta e o surdo clamor de desespero dos pequeninos, pela mesma causa; vi o garotão mudar o gênero das palavras, acusando a mina de pé-fria; vi a decepção controlada do presidente, que se preparava, como torcedor número um do país, para viver o seu grande momento de euforia pessoal e nacional, depois de curtir tantas desilusões de governo; vi os candidatos do partido da situação aturdidos por um malogro que lhes roubava um trunfo poderoso para a campanha eleitoral; vi as oposições divididas, unificadas na mesma perplexidade diante da catástrofe que levará talvez o povo a se desencantar de tudo, inclusive das eleições; vi a aflição dos produtores e vendedores de bandeirinhas, flâmuIas e símbolos diversos do esperado e exigido título de campeões do mundo pela quarta vez, e já agora destinados à ironia do lixo; vi a tristeza dos varredores da limpeza pública e dos faxineiros de edifícios, removendo os destroços da esperança; vi tanta
coisa, senti tanta coisa nas almas...

Chego à conclusão de que a derrota, para a qual nunca estamos preparados, de tanto não a desejarmos nem a admitirmos previamente, é afinal instrumento de renovação da vida. Tanto quanto a vitória estabelece o jogo dialético que constitui o próprio modo de estar no mundo. Se uma sucessão de derrotas é arrasadora, também a sucessão constante de vitórias traz consigo o germe de apodrecimento das vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos, que inutiliza o indivíduo e a comunidade atuantes. Perder implica remoção de detritos: começar de novo.

Certamente, fizemos tudo para ganhar esta caprichosa Copa do Mundo. Mas será suficiente fazer tudo, e exigir da sorte um resultado infalível? Não é mais sensato atribuir ao acaso, ao imponderável, até mesmo ao absurdo, um poder de transformação das coisas, capaz de anular os cálculos mais científicos? Se a Seleção fosse à Espanha, terra de castelos míticos, apenas para pegar o caneco e trazê-lo na mala, como propriedade exclusiva e inalienável do Brasil, que mérito haveria nisso? Na realidade, nós fomos lá pelo gosto do incerto, do difícil, da fantasia e do risco, e não para recolher um objeto roubado. A verdade é que não voltamos de mãos vazias porque não trouxemos a taça. Trouxemos alguma coisa boa e palpável, conquista do espírito de competição. Suplantamos quatro seleções igualmente ambiciosas e perdemos
para a quinta. A Itália não tinha obrigação de perder para o nosso gênio futebolístico. Em peleja de igual para igual, a sorte não nos contemplou. Paciência, não vamos transformar em desastre nacional o que foi apenas uma experiência, como tantas outras, da volubilidade das coisas.

Perdendo, após o emocionalismo das lágrimas, readquirimos ou adquirimos, na maioria das cabeças, o senso da moderação, do real contraditório, mas rico de possibilidades, a verdadeira dimensão da vida. Não somos invencíveis. Também não somos uns pobres diabos que jamais atingirão a grandeza, este valor tão relativo, com tendência a evaporar-se. Eu gostaria de passar a mão na cabeça de Telê Santana e de seus jogadores, reservas e reservas de reservas, como Roberto Dinamite, o iajante não utilizado, e dizer-lhes, com esse gesto, o que em palavras seria enfático e meio bobo. Mas o gesto vale por tudo, e bem o compreendemos em sua doçura solidária. Ora, o Telê! Ora, os atletas! Ora, a sorte! A Copa do Mundo de 82 acabou para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora, o sol de nós todos.

E agora, amigos torcedores, que tal a gente começar a trabalhar, que o ano já está na segunda metade?



Leia também a crônica "Que copa é essa" enviada por Beto Bastos

Um comentário:

  1. Nosso amigo Beto escreveu uma deliciosa crônica sobre essa Copa chinfrim e começa assim

    Que Copa é Essa!

    Que minha paixão é futebol todos sabem. Sou Flamengo e minha alemã se chama Sandrinha. Até aí tudo bem. Sou da turma que tinha TV e viu o Tri brasileiro em preto e branco. Timaço! Ruas cheias no Rio que acreditavam na conquista. Um tempinho depois, quatro anos, na estréia da TV colorida, na casa de vizinhos, vi a seleção canarinho cair contra a chamada “Laranja Mecânica”. O futebol era outro. Nós com um time de velhos, mas com talentos, por pouco não ganhamos. Ah! Aquela entrada do Paulo César pela esquerda no primeiro tempo. Até que no segundo o Luis Pereira foi expulso. Ali fudeu! Mas perdemos para um futebol melhor.


    Leia na íntergra em:

    http://eu-sou-eu-jacre-e-bicho-dagua.blogspot.com/2010/02/que-copa-e-essa-por-beto-bastos.html

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