Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.
Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.
Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.
Tateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.
Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte descuidada.
Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.
(...)
Primavera também veio aqui com João Guerreiro e MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in NENHUM NOME DEPOIS ( Gótica, 2ª. Ed., 2005)
DIZ-ME O TEU NOME
Diz-me o teu nome - agora, que perdi
quase tudo, um nome pode ser o princípio
de alguma coisa. Escreve-o na minha mão
com os teus dedos - como as poeiras se
escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
lobos mancham o lençol da neve com os
sinais da sua fome. Sopra-mo no ouvido,
como a levares as palavras de um livro para
dentro de outro - assim conquista o vento
o tímpano das grutas e entra o bafo do verão
na casa fria. E, antes de partires, pousa-o
nos meus lábios devagar: é um poema
açucarado que se derrete na boca e arde
como a primeira menta da infância.
Ninguém esquece um corpo que teve
nos braços um segundo - um nome sim.
Ontem, no dia da árvore, Jacaré encontrou um amigo matemático e disse que queria visitar uma árvore e esse amigo passou o telefone de Huffman que convenceu Jacaré a entrar num algoritmo do qual só saiu hoje com ajuda de Herman Hesse e um lobo, talvez o mesmo da poesia gótica
Tenho um enfeite verde de cabelo, um dia andando na rua uma borboleta pousou nele, coisas da primavera.
ResponderExcluirEssa estação estimula a sensorialidade e com isso, como bem observou Espinosa, a compreensão das paixões humanas, antes de ridicularizá-las, lamentá-las ou detestá-las.
É tão bom viver, ler Hilda Hilst, Herman Hesse e todos os escritores do mundo, inclusive os quase desconhecidos!
Leila Sales.