"Olá
Nesse início de primavera no hemisfério sul, fomos surpreendidos por uma notícia vinda lá do início do outono do hemisfério norte: cientistas do CERN dizem ter encontrado neutrinos se movendo mais rápido que a velocidade da luz. Surpreendente! Einstein afirmava que nada no universo pode ser mais rápido que a luz. Até hoje. Ou melhor, até a inventiva e criativa mente humana de descobrir o ainda não descoberto.
Não sei o que é um neutrino. Nunca fui apresentado a estas partículas
elementares de matéria ou energia. E agora, dada a largada, até a
próxima descoberta e reformuladas as relatividades, não arriscaria uma
aposta nesse dérbi científico quântico.
Corridas à parte, ainda estou em outra trilha. Apesar das velocidades
das partículas e da luz, ainda sou muito vagaroso para olhar dentro e
observar o que posso (e devo) melhorar, lançar luzes no meu caminho de autoconhecimento. Ainda.
O HOMEM; AS VIAGENS
Carlos Drummond de Andrade
O homem, bicho da terra tão pequeno
Chateia-se na terra
Lugar de muita miséria e pouca diversão,
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
Toca para a lua
Desce cauteloso na lua
Pisa na lua
Planta bandeirola na lua
Experimenta a lua
Coloniza a lua
Civiliza a lua
Humaniza a lua.
Lua humanizada: tão igual à terra.
O homem chateia-se na lua.
Vamos para marte - ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em marte
Pisa em marte
Experimenta
Coloniza
Civiliza
Humaniza marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro - diz o engenho
Sofisticado e dócil.
Vamos a vênus.
O homem põe o pé em vênus,
Vê o visto - é isto?
Idem
Idem
Idem.
O homem funde a cuca se não for a júpiter
Proclamar justiça junto com injustiça
Repetir a fossa
Repetir o inquieto
Repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira terra-a-terra.
O homem chega ao sol ou dá uma volta
Só para tever?
Não-vê que ele inventa
Roupa insiderável de viver no sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o sol, falso touro
Espanhol domado.
Restam outros sistemas fora
Do solar a col-
onizar.
Ao acabarem todos
Só resta ao homem
(estará equipado?)
A dificílima dangerosíssima viagem
De si a si mesmo:
Pôr o pé no chão
Do seu coração
Experimentar
Colonizar
Civilizar
Humanizar
O homem
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
A perene, insuspeitada alegria
De con-viver.
Outro amigo do Jacaré assim falou:
Além do mais, é preciso ter ombros fortes e flexíveis
e batidas de neutrino darão explosão neutrinuclear ou um novo drink?
Os Ombros Suportam o Mundo
Carlos Drummond de Andrade
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
gran finale:
Tenho um enfeite verde de cabelo, um dia andando na rua uma borboleta pousou nele, coisas da primavera.
Essa estação estimula a sensorialidade e com isso, como bem observou Espinosa, a compreensão das paixões humanas, antes de ridicularizá-las, lamentá-las ou detestá-las.
É tão bom viver, ler Hilda Hilst, Herman Hesse e todos os escritores do mundo, inclusive os quase desconhecidos!
Leila Sales
A peleja de Alvaro Campos com Espinosa a respeito das paixões humanas, ou mesma visão com verbos antagônicos?
ResponderExcluirsergio rosa
Todas as cartas de amor...
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Álvaro de Campos, 21/10/1935
Do dia em que Espinosa e Álvaro de campos se encontraram no Blog do Jacaré:
ResponderExcluirEspinosa era crítico dos que escreveram sobre os afetos e a maneira de viver dos homens como algo fora da Natureza. Discordava dos “Filósofos que concebem os afetos em nós conflitantes como vícios em que caem os homens por sua própria culpa. Por isso constumam ridicularizá-los, deplorá-los e censurá-los”.
Tal como como Álvaro de Campos, o filósofo reconhecia a ineficácia da racionalidade face às paixões, então, acredito que hoje, aqui no blog eles estabeleceram uma parceria, sem peleja.
Manuel Bandeira também dizia algo parecido no poema “Libertinagem”, ao afirmar que “o cálculo da probabilidade é uma pilhéria”.
Obs: Aprendi um pouquinho sobre o filósofo com Marilena Chauí no livro “Os sentidos da Paixão”, organizado por Adauto Novaes.
Leila Sales.
Sou arquétipo, monstro e pesadelo
ResponderExcluirSó eu sou verbo de ação e ligação
Moro e sou pedra, assusto e navego
Ridículo amor? Thetis sem escrevê-lo.
Cordias saudaçoes
Adamastor das Tormentas